2.8 As notícias: abordagem
semiológica. Do signo ao discurso
Não é exagerado dizer que a semiologia e a semiótica
impulsionaram os primeiros estudos sobre a linguagem do jornalismo. Fundando-se
na intuição originária saussuriana da arbitrariedade do signo, muitos
académicos desenvolveram uma análise mais ou menos exaustiva dos sistemas de
signos postos em jogo na linguagem jornalística.
A relevância da semiologia para o jornalismo tornou-se
manifesta logo que Roland Barthes lançou uma crítica ideológica da linguagem da
cultura de massa (Mythologies, 1957), e fez a primeira desmontagem semiológica
da linguagem, determinante para os estudos que viriam depois: a linguagem dos
media franceses durante a guerra da Argélia tornou-se uma espécie de impulso
inovador para as práticas de descodificação que vieram a ser praticadas no
âmbito destes estudos.
A concepção da linguagem como sistema de signos
convencionais e arbitrários (Barthes, 1989, pp. 11-12; Saussure, 1978: pp.
40-41) permitiu uma compreensão diversa do papel da linguagem na estruturação
de relações sociais. Gerou percursos diversos no âmbito da análise da notícia,
mas que convergiram em torno da sua importância simbólica, discursiva e
narrativa. Alguns trabalhos de semiótica e de semiologia influenciados por
Barthes embora com certa atenção às dinâmicas sociais vêm de autores que
geralmente se filiam na corrente dos estudos culturais.
A semiologia foi directamente inspiradora dos trabalhos do
Centro de Estudos Culturais de Birminghan que na colectânea Culture, media and
language (Hall, Lowe ,Hobson e Willis, 1980) desenvolveram intuições de origem
semiológica para a análise do posicionamento ideológico dos media. Em “Ecoding
/Decoding”(2002), através de categorias da semiologia articuladas a uma noção
marxista de ideologia, Hall insiste na pluralidade das modalidades de recepção
dos programas televisivos.
Argumenta, também, que podem ser identificadas três posições
hipotéticas de interpretação da mensagem televisiva: uma posição “dominante” ou
“preferencial” quando o sentido da mensagem é descodificado segundo as
referências da sua construção; uma posição “negociada” quando o sentido da
mensagem entra “em negociação” com as condições particulares dos receptores; e
uma posição de “oposição” quando o receptor entende a proposta dominante da
mensagem mas a interpreta segundo uma estrutura de referência alternativa.
Na verdade, os estudos sobre a linguagem foram largamente
marcados por uma convergência entre um crescente interesse na ideologia (Hall, 1977;
Glasgow University Media Group, 1976), estimulado pela influência de certos
autores marxistas como Gramsci bem como pela redescoberta da problematização da
linguagem pela semiologia francesa (Barthes) e pela escola culturalista
britânica (Hall et al., 1993) (ver a propósito Traquina, 2000, p.18).
Dois dos trabalhos mais importantes neste domínio foram Reading Television de John Fiske e James
Hartley e Understanding the News de
James Hartley. Hartley, nomeadamente, parte da ideia estruturalista segundo a
qual um sistema é uma estrutura de elementos relacionados entre si de acordo
com determinadas regras. Para o entender, é necessário distinguir os diferentes
elementos uns dos outros, e demonstrar como é
que eles são seleccionados e combinados de acordo com as regas e
convenções que lhe são apropriadas.
Aceitando a premissa que o valor dos signos é determinado
pela sua relação com outros signos no interior do sistema, a selecção de cada
palavra não é determinada pela natureza do referente mas por um processo de
selecção e combinação estruturalmente regulado (Hartley, 1991, pp. 15-16).
É impossível falar das notícias como um sistema sígnico
autónomo das convenções e características da linguagem (. . . ) Não é o acontecimento
que é relatado que determina a forma, conteúdo, significado ou a «verdade» das
notícias, mas são antes as notícias que determinam o que é que o evento
significa. (Hartley, 1991, p. 15)
Hartley distingue entre sistemas de linguagem e discursos,
distinguindo os segundos como diferentes formas de uso tornadas possíveis pela
linguagem. O discurso implica o encontro entre sistemas de linguagem e as
condições sociais: a sua compreensão exige uma atenção mais próxima às
circunstâncias históricas, sociais e culturais da sua produção e consumo.
Estudar um discurso específico implica atender à sua função social (Hartley,
1991, p. 6).
Apesar da importância conferida à linguagem como sistema,
importa estudar os constrangimentos na análise das notícias como discurso e
consequentemente o contexto em que estas funcionam: “As notícias são uma
instituição social e um discurso cultural que só existe e ganha significado em
relação com outros discursos e significados que operam ao mesmo tempo” (Hartley,
1991, pp. 8-9). A ideia é que os signos não expressam apenas relações entre si
nem com o referente mas entre o enunciador e enunciatário (Hartley, 1991, pp. 22;
25).
Por isso, qualquer verdadeira interpretação é dialógica por
natureza (Hartley, 1991, p. 26). Na actividade quotidiana de produção
noticiosa, a potencial abertura dos significados é objecto de um processo de
uniformização do significado em detrimento da pluralidade significativa
verificando-se, por vezes, a imposição de um processo de “leitura preferencial”
(Hartley, 1991, p. 63).
Os signos são condicionados pela forma de organização social
em que os participantes se envolvem mas também pelas condições imediatas da sua
produção. Estas, na perspectiva de Hartley, implicam a atenção à estrutura social
de classes e às relações de poder e de dominação que lhe são inerentes. A vida
dos signos nesta lógica é também um campo de confronto social e ideológico
(Hartley, 1991, p. 74). “Podemos perceber como é que as notícias funcionam, que
interesses servem, podemos recorrer a esta compreensão cada vez que vemos ou
ouvimos notícias” (Hartley, 1991, p. 9).