quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Vivendo num mundo super-equipado



Foi-se o tempo em que o vento nos mares determinava o rumo da navegação. Assim como faz tempo que a demora das viagens não depende mais do humor dos cavalos. Se alguma coisa pode-se dizer sobre a diferença entre nós e os “antigos” mais próximos e a constante e paulatina ilusão de controle sobre os chamados “imponderáveis da vida cotidiana”.

Dentre eles, os surpreendentes viesses da alma humana.

Arlie Hochschild mostrou nas suas pesquisas o processo de treinamento dos sorrisos das comissárias de bordo da Delta Airlines descrevendo, além do esforço físico, o “esforço emocional” exigido pela empresa. As funcionárias chegaram a confessar em entrevistas que o sorriso “estava nelas, mas não era delas”. A empresa tinha lhes roubado a "alma". 

Outro paralelo pode ser feito com os objetos que compramos diariamente. Os motivos das nossas escolhas são muitas vezes orientados por fatores que desconhecemos completamente.Quem sabe se analisarmos a "alma" destes objetos descubramos alguma coisa?. São estes aspectos "imponderáveis" da alma dos objetos que o chamado "mercado" controla primorosamente.

Basta olhar com atenção o desenho de algumas mercadorias de consumo cotidiano para perceber que há tempos impõe-se uma estética do “sobre-dimensionamento” nestes objetos. Compramos, por exemplo, sapatos feitos e desenhados para quem vai escalar montanhas ou caminhar em trilhas íngremes. As cidades no Brasil e outras partes do planeta estão cheias de automóveis preparados para o rally Paris-Dakar. Muitas das nossas roupas poderiam ser usadas em filmes de Indiana Jones e assim por diante. 

Esta percepção sobre a hiper-dimensão de aspectos simbólicos no capitalismo já tinha sido apontada por Theodor Adorno quando analisava o uso de uma estrutura complexa como é uma orquestra sinfônica para a gravação de um tema de três minutos num comercial de sabonete. A sobre-dimensão de elementos “intangíveis” no mundo atual chegou ao nível das representações. Principalmente nas representações cartográficas das cidades. 

Isto devemos à internet. O Google Earth, por exemplo, nos oferece escalas das cidades que coloca o internauta na situação virtual de dominação espacial e geográfica de um piloto de guerra. Existe até um recurso por meio de atalhos no teclado em que o usuário passeia-se pelos céus de qualquer cidade num Caça F16 que é um avião de bombardeios. Os detalhes das fotografias feitas pelos satélites disponibilizam detalhes que são para a maioria dos internautas-espectadores desnecessários para as demandas do dia a dia.

Vemos como no âmbito das representações estamos servidos de um hiper-realismo que, em verdade, não necessitamos. Assim como acontece com os celulares com GPS, relógios com manómetros analõgicos, automóveis, tênis, roupas e canivetes multiuso aparelhados de lanternas e bússolas.

Quanto poder ilusório queremos consumir? Quanto poder “real” estamos transferindo para nossos Big-Fathers? O tempo nos mostrará um dia o tamanho e a dimensão da ignorância construída a milhões de mãos.



Abraços do Eladio


Conferir: Howard Becker no livro Falando da Sociedade. Anthony Giddens no livro Sociologia, Theodor Adorno em algum parágrafo da coleção “Os Pensadores” que agora tenho preguiça de olhar. E, principalmente, é útil conversar com meu amigo Fernando Campos Leza para aprender um pouco sobre divagações e delírios em recursos informáticos.

Imagem: Catedral submersa. Eladio Oduber / Lápis grafitti sobre papel comum

SEGUNDA-FEIRA, FEVEREIRO 21, 2011


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Exercício:

Reflita sobre a frase: Quanto poder ilusório queremos consumir?


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