terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Arte, representação e semiótica


Ceci n'est pas une pipe - René Magritte
“Ceci n’est pas une pipe” (pronúncia) (“Isto não é um cachimbo”), de 1929, é uma das obras mais famosas do pintor surrealista belga René Magritte (1898 – 1967).
A pintura traz algumas inovações formais, como a utilização de frases em um quadro, e a pintura de um objeto solto no ar, sem qualquer suporte. Estes artifícios, embora possam não ter sido inventados com este quadro, não eram muito comuns. O primeiro método faz uma fusão de palavra e imagem, na pintura; o segundo direciona totalmente a atenção do observador – que poderia se dispersar se na pintura houvesse, digamos, uma mesa como suporte ao cachimbo, um cinzeiro etc.
Contudo, a fama da obra não decorre propriamente destas particularidades da forma, e sim dos questionamentos gerados pelo conteúdo.
O que é o quadro de Magritte? Há um cachimbo. E uma frase: “Ceci n’est pas une pipe.”. Uma frase que contradiz o que o olho enxerga. “Isto não é um cachimbo.” – como não?!
Uma das possíveis respostas vem do próprio título da obra, que, na verdade, não é “Ceci n’est pas une pipe.”, nome pelo qual ficou famosa, mas sim “La trahison des images”, isto é, “A traição das imagens”. O que vemos não é um cachimbo real, mas uma representação de um cachimbo. A imagem é só um signo, um símbolo, e não “a coisa em si”. (Leia mais em René Magritte e a Linguística.)
A frase de Magritte aponta o óbvio. Ninguém tentaria comer uma maçã pintada em um quadro. Então, qual a função da frase, na tela? Justamente esta: ressaltar o óbvio. Ao ver uma maçã, em um quadro, ninguém pensa: “Isto não é uma maçã.”. Se não houvesse a frase na pintura de Magritte, ninguém pensaria, portanto, “Isto não é um cachimbo.”. Aliás, pelo contrário! Todos pensaríamos: “Cachimbo!”.
Magritte nos joga na cara, portanto, o óbvio (que frequentemente costuma ficar no plano subconsciente): estamos frente a uma representação, e não frente a um objeto. O título original do quadro, “A traição das imagens”, já daria uma pista para esta análise, porém, sozinho, talvez não tivesse a força da frase.
Magritte, como todo representante do Surrealismo, trabalhava com a fronteira entre o real e o impossível. A pintura é real, o quadro é real, é palpável, transportável, comercializável. Já o que o quadro representa, qualquer quadro, seja de um surrealista ou de um impressionista, não o é. Não é possível fazer a Monalisa piscar, não é possível fumar no cachimbo de Magritte.
Pinturas podem mimetizar o real, mesmo que interpretado, como os jardins de Monet, ou inventar novos mundos, como os relógios derretidos de Salvador Dali.
Por fim, uma pintura pode ser e não ser o real, simultaneamente, como o cachimbo de Magritte. É um cachimbo, diz a nossa mente, e temos que concordar com ela. Não é um cachimbo, diz a frase, e ela também está certa!
O quadro de Magritte adianta as teorias da física quântica, que dizem que algo pode estar e não estar em um determinado lugar no mesmo tempo
O cachimbo de Magritte é real e irreal, ao mesmo tempo. Como o sonho – tema caro aos surrealistas.
O que Magritte queria nos causar, afinal, com esta pintura? Que tipo de reflexão desejaria que tivéssemos, daí em diante? A resposta verdadeira somente o pintor poderia nos dar (veja: Frases de René Magritte). Em uma carta, Magritte escreveu que “o título não contradiz o desenho, ele o afirma de outro modo”.
Suposições podem ser feitas por nós, assim como leituras, digamos, “não autorizadas”. O quadro pode ser utilizado, por exemplo, em uma crítica ao inflacionado mercado das artes ou ao próprio público – paga-se milhões por uma representação do jardim de Monet, mas o comprador (ou o visitante do museu que vai ver tal quadro) nunca foi ver pessoalmente o jardim real, em Giverny (França)… Por que pagar milhões por um cachimbo de mentira, enquanto um verdadeiro custa poucas dezenas de reais?!
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Em 1952, Magritte fez “uma graça” com o quadro. Vários de seus temas são recorrentes, sujeitos a releituras, e não poderia deixar de ser diferente com o já famoso cachimbo.
Magritte fez então um desenho, coma frase “Ceci continue de ne pas être une pipe” – “Isto continua a não ser um cachimbo”.
Ceci continue de ne pas être une pipe, René Magritte
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Um ano antes de morrer, Magritte voltaria mais uma vez ao tema, com “Os dois mistérios” (“Les deux mysteres”):
Magritte, Os dois mistérios
Nesta tela, o quadro “Ceci n’est pas une pipe” repousando em um cavalete e, fora da tela, flutuando na sala, um enorme cachimbo…
O primeiro “Ceci (…)” já era um mistério e, agora, percebemos, fora da sua tela havia um grande cachimbo, talvez o modelo para aquele que foi pintado…
Qual o segundo mistério? Ora, se o cachimbo de “Ceci (…)” não era um cachimbo, porque era apenas uma pintura, o que está fora da tela, no mundo real, há de ser verdadeiro. O grande cachimbo de “Les deux mysteres” está de fora do “Ceci (…)”. É palpável. É real. Real?! Mas ele também está em uma pintura! Logo, ele também não é um cachimbo…
Neste jogo do infinito criado por Magritte, é possível que, se do lado de “Os dois mistérios” alguém deixar um cachimbo de verdade, acabemos por acreditar que este também não seja um cachimbo…
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O quadro “Ceci n’est pas une pipe” pertence atualmente a um museu de Los Angeles, Estados Unidos, onde fica em exposição permanente. Foi recebido de doação, feita há décadas por um colecionador milionário.

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